domingo, janeiro 29, 2006

A pujança económica de Espanha já não deixa dúvidas

A pujança económica de Espanha já não deixa dúvidas: os nossos vizinhos deitaram a crise para trás das costas e estão a bater à porta do grupo das nações mais poderosas do Mundo. Um reflexo dessa realidade é a entrada em Portugal de muitas marcas espanholas: é já perfeitamente possível viver nas nossas maiores cidades e consumir apenas produtos espanhóis. Sem dramas.

O dia parece prometedor, os aromas atlânticos anunciados pela brisa fazem lembrar Portugal e o Sol é certamente o mesmo que brilha em Lisboa. A decisão amadurecida nas últimas semanas não vai ficar para amanhã: o Leon é a opção.

O ar jovial e seguro do nosso compatriota Ricardo Pereira, actor cujo rosto a SEAT – de Sociedade Espanhola de Automóveis de Turismo SA – utiliza para convencer os hesitantes, acaba com as últimas dúvidas. Além disso, a promessa de “auto emoción” que as radiofónicas e sensuais vozes femininas repetem e que os anúncios nas revistas sublinham, é quase irresistível.

Necessário é agora ultimar os pormenores do empréstimo. Para isso existe o Santander, o banco que, asseguram, dá “valor às ideias” e que tem o condão de perpetuar a marca Totta, o que dá um ar luso à opção.

O atendimento é cortês e profissional, as explicações claras não deixam espaço a problemas de comunicação. Feitas as contas ao investimento inicial e aos encargos, os valores parecem justos, pelo que a renovação do guarda-roupa e das prendas para a família são a etapa seguinte.

Antes, porém, há que passar num posto de abastecimento de combustíveis da Repsol e atestar o depósito. Em Espanha, a gasolina é mais barata, pena que a Repsol em Portugal tenha de se aportuguesar nos preços.

OLÉ SAUDADE

Os centros comerciais asseguram que é possível encontrar o que se procura num espaço razoavelmente reduzido. Tudo é perto de tudo. Vale a pena, pois, fazer o périplo pelos vários estabelecimentos, comparar preços, desencantar aqui ou ali aquela peça que parece ter sido feita para nós.

A Zara, Pull and Bear, Massimo Dutti, Bershka, Stradivarius, ou a Kiddy’s Class são visitas obrigatórias. Têm em comum o facto de pertencerem ao grupo espanhol Inditex.

O grupo está presente em mais de meia centena de países, entre os quais Portugal, e chegou a passar por um ligeiro contratempo em finais de 2003, quando o Ministério da Economia indeferiu um pedido de licença suplementar, a fim de legalizar as seis lojas que o grupo abriu no Centro Comercial Parque Nascente, em Rio Tinto, Gondomar.

A continuação da abertura de novas lojas e a chegada da Zara Home são a prova de que os problemas foram ultrapassados. Aos mais pequenos que garantem que a Imaginarium é das “tiendas de juguetes más bonitas del mundo”, a loja responde que é “Mucho más que eso!”.

Na verdade, é a loja que faz a pergunta e dá a resposta, mas se considerarmos que desde que foi criada, em 1992, ultrapassou já as três centenas de pontos de venda em duas dúzias de países, parece não andar muito longe da verdade.Espanhóis são também os têxteis da Mango, o pronto-a-vestir da Cortefiel, a marroquinaria da Paco Martinez, a decoração da KA-Kilo Americano, todas marcas familiares ao consumidor português.

E só o facto de imaginar que milhares de outros portugueses estão a fazer as suas compras em estabelecimentos clones faz-nos sentir próximos do nosso país. É a portuguesíssima saudade saciada em espanhol, ainda que umas espreitadelas mais indiscretas às etiquetas das peças de vestuário revelem desconcertantes origens, que vão da China ao Bangladesh.

TAPAS, TAMPAS

Uma manhã cansativa pede um almoço compensador. E, nisso, ‘nuestros hermanos’ são mestres. Podia ser um outro qualquer mas foi no D. Juan, restaurante donde se avista aquilo a que os espanhóis chamam faro e nós farol.As tapas são um festim para os sentidos. Há muito que deixaram de ser os pratinhos que precedem o prato da refeição, para se tornarem na própria refeição.

Os portugueses nunca perderam muito tempo a reflectir sobre a origem do nome e, ao que parece, os historiadores ainda a discutem. A maioria defende que o nome do prato é derivado do verbo tapar e teria origem na Idade Média, quando o vinho era servido acompanhado por uma fatia de pão, coberta por presunto, morcela e azeitona.

Na época, os espanhóis utilizavam o pão como tampa para impedir que as moscas entrassem no copo de vinho. Tapas são, assim, tampas. Tortilla, jamon serrano cortado em fatias finas, setas e gambas al ajillo, calamares, pimentos de padrón, amêijoas ou mexilhões, enfim, fiquemos por aqui que para esta tarde ainda temos a consulta na Corporación Dermoestética.

Antes desse compromisso e de passar por uma agência de viagens para planear o fim-de-semana, passámos pela MultiOpticas para comprar aqueles óculos de sol que nos estavam a faltar.

A MultiOpticas é outro caso de sucesso espanhol. Nos inícios dos anos 70, um pequeno grupo de ópticos uniu-se com o objectivo de melhorar os serviços prestados e os produtos comercializados. A iniciativa, pioneira, acabou por evoluir até chegar ao nome próprio de MultiOpticas. Em 1987, iniciou-se uma política de expansão que se estendeu a Portugal, com a participação de ópticos portugueses.

BELEZA DEMOCRÁTICA

A Corporación Dermoestética (CD) é, actualmente, a empresa que lidera o sector da Medicina e Cirurgia Estética, não só em Espanha como na Europa. Foi criada em 1979 e constituiu o acontecimento económico do último Verão espanhol, ao entrar na Bolsa, em Julho de 2005.

Para o mercado bolsista tratava-se de um sector completamente novo, a suscitar algumas interrogações, e contratação de meia centena de modelos femininos para se vestirem de enfermeiras e desfilarem em redor do seu presidente, José Maria Suescun, para celebrar o acontecimento, não caiu bem nos profissionais de enfermagem.

Assumindo-se como a “organización médico-estética mas avanzada de Europa”, a Corporación Dermoestética é responsável pelos milagres que há duas décadas têm vindo a praticar-se no seio da melhor sociedade espanhola, democratizando-se depois a todas as camadas sociais.

A primeira consulta é grátis e o financiamento dos tratamentos pode ser estruturado em cinco anos. Antes de chegar a Itália ou ao Reino Unido, Portugal foi o primeiro país escolhido, em 2001, pela empresa para a sua expansão europeia. Actualmente, está instalada em Lisboa, Porto e Braga. Seguem-se Aveiro e Coimbra.A cirurgia estética é a que mais clientes atrai.

A CD diz que “a beleza passou a ser um bem básico” e garante que pode satisfazer a necessidade desse bem com “segurança e eficácia, que, graças às inovações operadas no sector, já não é património exclusivo de uma determinada elite”.

A CD anuncia também moderna cirurgia laser ocular, Odontologia e Medicina Estética. É bom que resulte, para bem das exigências, digamos, do foro capilar, que levaram à nossa consulta.A tarde vai caindo, faltam ainda as compras para o jantar, pelo que se espera com impaciência que pelo menos um dos três clientes que ocupam o trio de funcionários da Halcon dê por completo o seu batalhão de perguntas.

FÉRIAS EM VILAMOURA

O destino? Portugal, evidentemente, e Algarve, porque sim. Em Espanha, a Halcon tem a maior rede de balcões, chegando aos impressionantes 750. A agência de viagens pertence ao grupo Globalia, que também detém a companhia aérea Air Europa, o operador turístico Travelplan e diversas outras empresas do ramo turístico. Em 2002, o homem-forte da Halcon, Antonio Hidalgo, proprietário do Salamanca, comprou o Farense.

As coisas deram para o torto, Hidalgo deixou-se de futebóis, e o Farense acabou por desaparecer das competições profissionais.O funcionário Halcon não propõe de Faro nem qualquer hotel das cadeias espanholas Sol Melia ou Riu Hoteles mas sim Vilamoura. O que, afinal, até nem é surpreendente.

O grupo espanhol Prasa, que já anunciou um investimento da ordem dos 750 milhões de euros em Vilamoura, adquiriu recentemente a André Jordan – o criador da Quinta do Lago – a Lusotur Imobiliária, proprietária dos 1650 hectares que compõem o empreendimento de Vilamoura, bem como da marina.

As compras alimentares são feitas no Supermercado Froiz. O grupo distribuidor Froiz nasceu em 1970 quando Magin Froiz Planes comprou um supermercado em Pontevedra. Tinha 26 anos. Na Galiza, a cadeia Froiz detém 133 supermercados e já entrou pelo Norte de Portugal, por Valença e depois Braga, e já chegou a Matosinhos, Porto e Gaia. A próxima estação é Guimarães.

No supermercado Froiz, “siempre a su servicio”, há artigos portugueses mas é preciso procurá-los. Frutas e verduras são galegas, de Pontevedra. O peixe, da merluza ao jurel, que é como quem diz da pescada ao carapau, vem de Vigo, como anuncia o cartaz da Galpreser, “mayorista de pescado”. É escusado verificar a embalagem de bacalhau desfiado, trata-se de “bacalao salado” da espanhola Coinba. E, se for congelado, está bom de ver, é o do “Lo bueno sale bien”, da espanholíssima Pescanova, pois claro.

E até as sardinhas em conserva são “sardinas das rias galegas” conforme reza a lata.Para um portuense, o argumento de que os pratos de tripas ao jantar são desaconselháveis é absurdo. Mas o desânimo é incontornável quando em vez de tripas temos callos em lata. Tripeiro, sim, callero, não. Ofendido, já não há pachorra para prestar muita atenção para os lacticínios espanhóis, sumos, azeites e vinagres de Espanha ou para a panóplia de produtos da Nestlé espanhola.

Já nem sei se hei-de acreditar que o arroz ‘Brillante’ é “el arroz que no se pasa”. As bolachas Cuétara ficam para outro dia. Antes, só uma condescendente espreitadela ao bom aspecto do pedaço de fígado exposto no talho para verificar que foi abatido em Espanha e que o boi era nascido em Espanha, como o atestam os dizeres da carcaça 788.

E se em vez de cozinhar se encomendasse um pizza?

É uma ideia a considerar. Vamos então optar pelos “momentos redondos” da espanhola Telepizza. Um telefonema e o jantar aparece em casa. Entregue pelos estafetas da empresa, bem entendido: desta vez não é preciso recorrer aos transportes urgentes da SEUR, a empresa que usa o ‘slogan’ “Detrás de cada envío hay una nueva historia”.

E PORTUGAL AQUI TÃO PERTO

A epopeia está no fim. Tempo para uma olhada pelo ‘El País’, propriedade do Grupo Prisa, e uma merecida meia hora diante do televisor para ver mais um episódio dos ‘Serranos’. Pois é, o programa é de facto espanhol e estou a vê-lo num canal espanhol – do mesmo dono do ‘El País’ – ainda que falado em Português: a TVI. Descontraído, dou por mim a pensar que um destes dias tenho de ir a Espanha.

Por isso, amanhã, se calhar vou visitar o Clube de Espanha, ali ao Edifício Mapfre, de Gonçalo Cristóvão. Hoje, o Clube de Espanha no Porto está pujante, não restam quaisquer vestígios das sonolentas salas de estar.

Aqui se preparam alunos portugueses para ingressar no Ensino Superior espanhol, sendo que por aqui têm passado muitos dos futuros médicos que não tiveram a possibilidade de tirar o curso em Portugal. Por hoje, a jornada está completa. Na verdade, ao longo deste dia não ultrapassámos o perímetro da Invicta, ainda que tenhamos ficado – vá lá saber-se porquê – com a vaga sensação de que não estivemos de todo em Portugal.

DOIS ESPANHÓIS CHEFIAM EL CORTE INGLÉS

O El Corte Inglés, um dos maiores Grupos de Empresas de Distribuição da Europa e líder no mercado em Espanha, instalou-se em Portugal em 2001, mais concretamente no centro da cidade de Lisboa. Emprega, actualmente, mais de 2500 pessoas de 23 nacionalidades diferentes, entre as quais portugueses. “Todos os nossos trabalhadores foram recrutados no mercado de trabalho nacional”, garantiu ao CM fonte da empresa.

Desengane-se, pois, quem pensa que o pessoal de nacionalidade espanhola tem maior representatividade na estrutura hierárquica. Dos 200 chefes de loja, por exemplo, apenas dois têm nacionalidade espanhola, o mesmo acontecendo nos cargos de direcção. Só o director-geral e o director adjunto são espanhóis. Já os três directores imediatamente abaixo (sectores Financeiro, Marketing e Pessoal) são portugueses.

A mesma fonte da empresa garantiu que a formação de todos os trabalhadores do El Corte Inglés é feita em Portugal, “por formadores portugueses altamente competentes”.

A actividade do El Corte Inglés está centrada no comércio a retalho através de uma estrutura denominada de Grande Armazém. Está instalado entre as Avenidas António Augusto Aguiar, Marquês da Fronteira, Sidónio Pais e Dr. Canto Resende. Tem uma página ‘web’ em português.

TEMOS 18 MOTORES ECONÓMICOS

O ‘milagre económico espanhol’ explica-se pela conjugação de quatro factores, com um momento de referência: 1 de Janeiro de 1986, data da entrada de Espanha e Portugal para a Comunidade Económica Europeia.

Este é um dos factos destacados por Ignácio Sanchez Amor, vice-presidente da Junta da Extremadura, para justificar o êxito de uma economia que já está no oitavo lugar entre as mais ricas do Mundo.

Sanchez Amor soma mais três razões para o sucesso espanhol: estabilidade política, reformas feitas a tempo e horas e as autonomias. “A estabilidade política, que nos levou a ter apenas quatro primeiros-ministros em toda a nossa vida democrática, construiu um quadro constitucional que não favorece a dissolução da Assembleia e o derrube do Governo”, diz. “As reformas da Administração Pública e da Justiça foram realizadas nos anos 80, a reforma fiscal começara já no final dos anos 70.

A estas reformas somou-se uma reconversão industrial duríssima, que atirou para o desemprego milhares de trabalhadores”, acrescenta Amor, salientando nesta conjuntura o papel assumido pelos sindicatos: “Sempre pautaram a sua actuação por uma grande moderação e um grande sentido de Estado”.

Por último, as autonomias. “Espanha não tem um, mas 18 motores económicos. Uma grande parte do êxito deve-se ao facto de as autonomias terem conseguido encontrar a escala adequada para muitas políticas de crescimento, que podem não ser muito significativas ao nível global mas são importantíssimas ao nivel regional.

Estamos a falar em 18 motores económicos a trabalhar em pleno, em saudável competição entre si e com grande proximidade em relação aos governos regionais.”

QUASE DOIS MIL MÉDICOS EM ONZE ESPECIALIDADES

Espanha é actualmente o país da Europa com mais médicos inscritos na Ordem portuguesa e o número tem aumentado de ano para ano. Actualmente, a Ordem dos Médicos conta com mais de 1936 profissionais inscritos, dispersos pelas mais diversas áreas de especialidade, desde a Medicina de Família à Psiquiatria. A mais representativa é precisamente a Medicina Familiar/Medicina Geral, que conta com 107 clínicos espanhóis.

Segue-se a Anestesiologia, com 40 médicos, e a Medicina Interna, com 35. Optaram também por trabalhar no nosso país 24 especialistas em Anatomia Patológica, 23 em Cirurgia Geral e 22 em Oftalmologia. Há ainda profissionais espanhóis na área da Otorrinolaringologia (18), Neurologia (14), Ortopedia (13), Pediatria (13) e Psiquiatria (13). Face ao número crescente de profissionais e de empresas que se instalam no nosso país, tem aumentado também a procura de cursos da língua vizinha.

Quase se pode dizer que o Espanhol é a segunda língua oficial em Portugal. No Instituto Cervantes, em Lisboa, por exemplo, o número de inscrições quase que duplicou em cinco anos. Em 2000, aquela instituição formou 1623 alunos. No ano passado, fê-lo a 3108 alunos.

ARMADA ESPANHOLA

C. DERMOESTÉTICAEm Portugal, a Corporación Dermoestética detém cinco clínicas e emprega quase 70 elementos do corpo clínico.

INDITEX/ZARACom 44 lojas em Portugal, a cadeia de lojas garantiu em 2004 um volume de negócios de quase quatro mil milhões de euros.

PRASA - Em 2005, a Prasa investe mais de 380 milhões de euros em empreendimentos no Algarve, principalmente em Vilamoura

IBERDROLA - A empresa, cujo administrador português é Pina Moura, investiu 1300 milhões de euros no mercado energético nacional.

EL CORTE INGLÉS - A filial portuguesa dos armazéns El Corte Inglés registou um resultado líquido de 5,88 milhões de euros em 2004.

TELEFÓNICA - Parceiro estratégico da Portugal Telecom, teve lucro líquido de mais de 3 mil milhões de euros, de Janeiro a Setembro de 2005.

BANCO SANTANDER - Estabeleceu-se em Portugal em 1988. No final de 2003 atingiu uma rentabilidade dos capitais próprios de 18,9%.

REPSOL - Presente em Portugal desde 1982, atingiu um lucro líquido de 394 milhões de euros no terceiro trimestre de 2005.

PRISA - O acordo que tornou os espanhóis da Prisa donos da Media Capital envolve mais de 300 milhões de euros.VIAGENS HALCONO acordo que tornou os espanhóis da Prisa donos da Media Capital envolve mais de 300 milhões de euros.


por Luís Lopes/Miguel Alexandre Ganhão/M.A.

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