Carlos Jorge Monteiro
O dinheiro apreendido pela Judiciária é sempre contado e fotografado antes de ir para o cofre
O ambiente na Polícia Judiciária está a ferro e fogo desde as suspeitas sobre 21 inspectores no desvio de 94 mil euros apreendidos.
Segundo apurou o CM, ninguém admite ter tido em mãos aquela quantia e respectivas guias (ver caixa) e, à excepção da coordenadora, toda a 2.ª Secção de combate ao tráfico de droga continua no activo.
Circulam nos bastidores informações contraditórias que agravam de dia para dia a crise no departamento.O timing para o pedido de sindicância à Direcção Central de Investigação ao Tráfico de Estupefacientes, por parte do director nacional, Alípio Ribeiro, que só aconteceu na última sexta-feira, a poucos dias da aprovação da nova lei orgânica da PJ, tem provocado uma onda de críticas internas.
E muitos acreditam numa “cabala” para descredibilizar aquele departamento – que apresenta os melhores resultados operacionais de sempre no combate ao tráfico de droga. O director nacional adjunto, José Braz, prefere agora manter-se em silêncio, depois de, no último fim-de- -semana, ter criticado “os políticos da retórica”, com “carreiras de gabinete, que põem em causa todo o trabalho da PJ”. “Já disse tudo o que tinha a dizer.
Fui mal e bem interpretado, prefiro agora manter-me em silêncio”, disse ontem ao CM.
GUERRA ANTIGA
Quanto às críticas de que o departamento de combate à droga recorre frequentemente aos agentes provocadores – o que não é permitido por lei, por instigarem a prática do crime –, diversos quadros da PJ asseguraram ao CM ser uma acusação injusta.
E lembraram, inclusive, que a maioria das acções são acompanhadas pelos magistrados e que os procedimentos agora adoptados são os mesmos de sempre.A tensão entre José Braz e a direcção da PJ não é nova.
O responsável pela DCITE há muito que tinha mostrado o desconforto pela nova lei orgânica, que reduzirá as suas funções a director de unidade. José Braz, na nova estrutura e a manter-se à frente do combate à droga, iria ter de responder às directivas de um director-adjunto, ainda por nomear, mas que seria alguém da confiança da Direcção Nacional e que estaria sediado no edifício da Gomes Freire, não na DCITE.
A força dos números e uma operacionalidade sem precedentes no combate ao tráfico de droga em Portugal levaram José Braz, nos últimos meses, a alimentar a ideia de que a sua saída, tida como inevitável, seria problemática para a PJ.
Quem quer que fosse nomeado para substituir o actual coordenador da DCITE teria também grandes dificuldades em apresentar os mesmos números de eficácia. Esta situação favorece a teoria de que a descredibilização daquela unidade retira força aos resultados já obtidos e isola José Braz, permitindo que, sempre que qualquer termo de comparação possa ser estabelecido, sejam também questionados os métodos de trabalho da chefia ainda em funções.
INSPECTORES NÃO SE LEMBRAM
Os 20 inspectores avançaram em duas manhãs de Outubro e Novembro e lançaram buscas a mais de dez casas da Grande Lisboa. O dinheiro apreendido – normalmente contado na presença dos suspeitos – foi contado em máquinas já na sede (os gabinetes da 2.ª Secção da Direcção Central de Investigação ao Tráfico de Estupefacientes, em Lisboa), como é costume em grandes operações. Foi todo fotografado, mas, seis meses depois, quando o inspector titular do processo deu por falta do dinheiro e duas guias, no total de 94 mil euros, “ninguém se lembra” de ter entregue aquele montante na secretaria, conta ao CM fonte policial.
E as suspeitas recaem sobre a coordenadora Ana Paula Matos, por estar no seu gabinete o cofre que supostamente guarda o dinheiro antes do depósito. É, para já, a única afastada do departamento e apenas depois de o caso ter sido tornado público.
LEI ORGÂNICA É "MINIMALISTA
"Carlos Anjos, presidente da Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal, foi à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias expor dúvidas sobre a nova lei orgânica da PJ, apelidando-a de “minimalista”, pois deixa questões essenciais ao funcionamento da estrutura por regulamentar. O diploma não explicita as competências dos departamentos da PJ, criando unidades sem indicar directrizes de trabalho e lugares disponíveis.
Carlos Anjos lembrou que a lei não contempla a autonomia táctica e técnica, o que “transformaria a PJ numa mera organização de inspecção administrativa”. Osvaldo Castro, presidente da comissão e deputado do PS, admitiu que a questão será revista na especialidade.
Carlos Anjos sublinhou ainda que não é indicado quem vai centralizar a informação criminal e alertou para o facto de cada polícia já ter o seu sistema integrado, incompatível entre si. “É inadmissível que ainda não se troquem informações e que as polícias escondam informações umas das outras.”
SAIBA MAIS- 86 000 euros foi o valor mais alto desviado, no segundo dos dois casos, na sequência de uma busca em que os inspectores da 2.ª secção da DCITE apreenderam ainda dinheiro de um país africano.- 34,5 toneladas de cocaína apanhadas pela PJ em 2006, tendo sido a droga mais apreendida. Segue-se o haxixe, com 8,5 toneladas, e a heroína com 140 quilos.
DESCULPA
Carlos Anjos, dirigente sindical que integra a DCITE, iniciou a sua intervenção no Parlamento pedindo desculpas pela “situação anormal” vivida no seio da PJ.
TRÁFICO NAS DIRECTORIAS
O combate ao tráfico interno passa, com a nova lei orgânica, a ser feito pelas directorias de Lisboa, Porto, Faro e Coimbra.
DCITE LIMITADA
A DCITE fica, com a nova lei, limitada ao combate ao tráfico internacional, por via marítima e aérea.
Henrique Machado / Tânia Laranjo / D.R.
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