domingo, fevereiro 21, 2010

O que devo ser quando for grande?

CLÁUDIA LUÍS, CLAUDIALUIS@JN.PT

No futuro, serão necessários mais técnicos especializados e legisladores do que agricultores e artesãos. E a maioria dos novos empregos deverá ser criada em áreas que exijam um conhecimento altamente qualificado.



Quanto às profissões que requerem menores habilitações, a tendência é de queda progressiva. Estima-se que, na próxima década, um total de cerca de 80 milhões de oportunidades de trabalho serão geradas nos países da União Europeia: 73 milhões serão de vagas deixadas por reformados e por mudanças profissionais. E sete milhões dirão respeito a novos empregos, diz o Centro Europeu para o Desenvolvimento da Formação Profissional. Mas estará o mercado preparado para absorver todos os activos muito qualificados? E como devem as universidades formar para as profissões do futuro?



Entre os licenciados portugueses, a taxa de desemprego tem vindo a diminuir. No último trimestre do ano passado, a percentagem de desempregados com habilitações superiores era de 9,6%, segundo o Instituto Nacional de Estatística. Cenário que antecipa a tendência europeia e vai ao encontro das previsões do estudo do Centro Europeu, que indica maior empregabilidade entre os mais qualificados.



Contudo, e ainda que "o excesso de qualificação formal não seja um problema per se", a aplicação dessas competências é um "problema potencial", alerta o Centro Europeu, uma vez que os postos de trabalho criados pelo mercado podem ser insuficientes ou desadequados aos cursos das universidades. Além do receio do subaproveitamento de conhecimento, teme-se a desvalorização de saberes tradicionais das profissões manuais para as quais não é essencial a passagem pelas universidades.





Para ser alguém na vida



Chega a hora da conversa sobre "ser alguém na vida" e todos ouvirão os mesmos contraditórios conselhos acerca do valor absoluto e, ao mesmo tempo, incerto de um diploma académico. A conversa termina, invariavelmente, com um apelo a um "curso com saídas profissionais". Implacáveis, os números dizem que há 55 mil desempregados licenciados em Portugal, segundo dados do INE do último trimestre de 2009. Mesmo assim, o futuro será sempre dos mais qualificados. Quem avisa é um organismo da Comissão Europeia.



As Ciências Empresariais asseguram a maior percentagem dessa tipologia de desemprego (19,8%), segundo estudos de Junho passado. Já as Ciências Sociais seguem, de perto, a tendência, representando 12,8% dos desempregados com habilitações superiores, informa o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.



Hoje, há 3786 cursos no Ensino Público, Privado e Politécnico. Mas, segundo a Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior, há 330 pedidos de acreditação de novos cursos. Ainda assim, o número desceu consideravelmente em relação aos 900 pedidos de acreditação registados no ano passado.



Cumprindo critérios que o Centro Europeu aponta como determinantes para o futuro das profissões, a acreditação de cursos passa, também, pela empregabilidade, mobilidade internacional, corpo docente, investigação, instalações e número de alunos.



Segundo o sociólogo José Manuel Leite Viegas, "a área da Saúde, que pressupõe sectores muito qualificados - como é o caso de especialidades muito complexas ou tecnológicas -, será alvo de procura crescente". De facto, as áreas de estudo ligadas à Saúde são das que menos desemprego qualificado geraram: em Junho de 2009, era de 5,6%, segundo o Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliação e Relações Internacionais do Ministério.



Aquele mesmo organismo conclui que os serviços de transporte (0,1%), de segurança (0,2%) e as áreas de Matemática e Estatística (0,5%) tinham a menor percentagem de pessoas com habilitações superiores inscritos em centros de emprego.



Que esperar do Ensino Superior?



"No contexto da globalização e flexibilidade das economias e sociedades, as tendências de transformação do mercado de trabalho não podem deixar de afectar as políticas do Ensino Superior", começa por considerar a socióloga Ana Paula Marques. Nesse sentido, a investigadora da Universidade do Minho refere a "expansão e massificação" do Ensino Superior como exemplos de "mudanças persistentes" ocorridas nos últimos anos.



A transmissão de conhecimentos e competências que possam ser aplicados ao mercado de trabalho é uma expectativa legítima a atribuir ao Ensino Superior, lembrou a socióloga. A "promoção de estágios ao longo da licenciatura", assim como "avaliações regulares da licenciatura ao mercado de trabalho" são exemplos de iniciativas apontadas nesse âmbito.



Da mesma forma, o cultivo da "cooperação com as empresas da região", a aposta na "formação extracurricular" e no "empreendedorismo académico" são exemplos de medidas a adoptar. Contudo, Ana Paula Marques ressalva que não é competência exclusiva das universidades adaptar a formação ao mercado de trabalho, defendendo parcerias de universidades e agentes económicos em diversas áreas. "As empresas terão também de se co-responsabilizar pela formação e inovação de conhecimentos dos seus activos".



No mesmo sentido, o sociólogo José Manuel Leite Viegas afirma que "não são só as universidades que têm que adaptar-se: elas também criam espaço para o desenvolvimento de áreas específicas, sectores profissionais articulados com o mundo empresarial". O docente do ISCTE lembra que "há microempresas criadas a partir de ideias nascidas na investigação académica".



A colaboração entre os departamentos de investigação universitários e as empresas "é uma realidade que já se verifica, havendo, naturalmente, empresas que não estão interessadas em investir nessa área", comenta. De resto, um dos motivos que poderá contribuir para explicar "alguma quebra de financiamento de cursos por parte das empresas é a crise financeira".



Segundo o docente, "a formação é, sobretudo, procurada a nível individual", o que denota uma aposta pessoal na qualificação e no conhecimento. Mas a orientação das universidades para o mundo das profissões é algo que também "se constata", até através de indicadores como "o regime pós-laboral de muitas pós-graduações e mestrados que não são de continuidade".



Conhecimento sem afectos vale menos



Nas últimas décadas, "a correspondência do diploma ao emprego é cada vez mais a excepção". O conhecimento apreendido nas universidades pode não enquadrar-se no mercado de trabalho. Os estudantes deparam-se, muitas vezes, com profissões que não tiram proveito da sua formação ou descobrem que as licenciaturas não os prepararam devidamente para a vida profissional.



Mas passará a empregabilidade, exclusivamente, pelo investimento no conhecimento? Para a socióloga da Universidade do Minho não, já que "o sucesso profissional não depende apenas do conhecimento". "Atitudes, valores e outras dimensões não cognitivas", como é o caso das características "afectivas e emocionais", também contribuem para arranjar e manter o emprego.



Então, pode a ditadura do mercado profissional vedar o acesso à formação de áreas do saber como a Filosofia?



Na perspectiva de José Manuel Leite Viegas, não devem tratar-se de áreas incompatíveis, até porque "os países com uma dinâmica de mercado forte e muito prática valorizam áreas como a Filosofia. Trata-se da primeira área de formação, o ponto de partida para a prática empresarial, por exemplo".



Além disso, "a Filosofia carece de um complemento e o próprio indivíduo necessita de racionalidade e conhecimento do Mundo em qualquer área do saber".



Profissões tradicionais, que futuro?



No universo dos saberes tradicionais e actividades manuais - de que são exemplo artesãos, agricultores e padeiros -, a tendência dos próximos dez anos será, estima o Centro Europeu, uma quebra acentuada no mercado de trabalho. Trata-se de uma previsão que "quantitativamente pode acontecer", diz o sociólogo do ISCTE, mas, "ao nível qualitativo, a tendência será mais no sentido da evolução dessas profissões. Não deixaremos de comer pão" - exemplifica.



"O processo de o fazer é que pode evoluir para uma mão-de-obra mais qualificada ou visando uma produção de carácter massivo", acrescenta. Nesse sentido, importa defender as "qualificações, sim, mas com aplicação às profissões tradicionais", conclui.



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