domingo, junho 24, 2007

Favores do futebol, negócios milionários


A construção do Estádio do Bessa ainda está em investigação
Os negócios dos dirigentes desportivos extravasam as fronteiras do futebol. Um mundo onde os favores se pagam, onde se fazem empréstimos de milhares em troca da palavra e onde se escolhem árbitros e pressionam dirigentes.


João Bartolomeu e João Loureiro conversavam ao telefone a 23 de Fevereiro de 2004. O presidente do Boavista já tinha tudo acertado com a Somague para o negócio do novo Estádio do Bessa, mas tinha acabado de avançar com todo o dinheiro que dispunha para o início do projecto. Precisava urgentemente de 750 mil euros (150 mil contos) para tapar outros buracos abertos na contabilidade do clube. E foi pedi-los a Bartolomeu, presidente do Leiria, lembrando-lhe que acelerara o negócio para que ele pudesse abrir as lojas junto ao Holmes Place. “Acelerei tudo por sua causa, para fazerem o Holmes Place. Agora preciso de um favor, que a sociedade que comprou as lojas [Montargila] me adiantasse dinheiro. Preciso de 150 mil contos”, dizia João Loureiro, enquanto João Bartolomeu se mostrava renitente. “Eu vou falar com eles. Vou ver”, respondeu, tendo João Loureiro adiantado logo uma solução: “Fazemos assim, nós temos de receber 240 mil e você ou a sociedade adianta, não custa nada. Você anda a nadar em dinheiro.”

Meses antes, o pedido de um favor tinha sido contrário. Em meados de Outubro de 2003, depois de o Leiria ter feito um humilhante início de época, João Bartolomeu pedira ajuda a Valentim Loureiro. “Tem de me meter aqui o Martins dos Santos a ver se me safo. Se não estou fodido. O Martins ou o Paulo Baptista. Mas o Martins é que era bom”, dizia Bartolomeu, que de tanto pressionar já começava mesmo a tornar-se inconveniente: “Ele que tenha calma, estamos a ver o que se consegue”, queixava-se Júlio Mouco, vogal do Conselho de Arbitragem da Liga, confirmando-lhe que Bartolomeu já lhe pedira o mesmo favor. “O Martins dos Santos está no Amadora-Paços de Ferreira. Mas vamos tentar fazer a troca”.

ESCUTAS COMPROMETEDORAS

Estas e outras trocas de favores podem ser lidas nas centenas de escutas do ‘Apito Dourado’. Onde os conhecimentos são levados ao extremo e as teias do negócio, da política e do futebol se confundem. Aprígio Santos, presidente do Naval, e Pinto de Sousa, presidente da Arbitragem da Federação, foram frequentemente interceptados em conversas com militantes comuns do CDS-PP. Enquanto isso, Valentim falava com Isabel Damasceno, presidente da Câmara de Leiria, para aquela “controlar” um árbitro da terra que iria apitar um jogo do adversário do Gon- domar. Atendia também políticos e ministros, tal como José Luís Arnault, que dizia mesmo que “estamos aqui uns para os outros”.

"DIZ-ME O QUE PREFERES"

“Diz-me o que é que preferes, não é preferível transferir o estádio e ficar mais terreno?”, perguntava Manuel Teixeira, chefe de gabinete de Rui Rio, a João Loureiro. “É mais fácil de embrulhar politicamente, no fundo vamos dizer que o Boavista faz um estádio”, explicava ainda o político, garantindo que com essa “troca” o Boavista ganharia terreno que depois poderia comercializar.

“Se me garantires 40 mil metros quadrados o negócio está feito”, respondeu o presidente dos axadrezados durante uma conversa ainda em investigação pela PJ, pedindo depois ao pai uma ajuda suplementar: “Quando estiver com o Rui Rio eles têm de esticar aquilo para cima.”

O QUE ELES DISSERAM

"Precisava de falar contigo, estou preocupa-díssimo com o Paulo Paraty, a continuar assim ele desce de internacional. [...] Precisava de trocar impressões para saber como é que a gente há-de resolver [...] Tenho as notas dele, dão para descer quanto mais para continuar como internacional." Pinto de Sousa fala com Valentim sobre a classificação de Paulo Paraty

"Tem de me meter aqui o Martins dos Santos, a ver se me safo, caralho, se não estou fodido. O Martins ou o Paulo Batista. Mas o Martins é que era bom.. [...] Tive o Martins na primeira jornada, perdi em Guimarães. Se não ganho o jogo vou direitinho." João Bartolomeu pede a Valentim que consiga a nomeação de Martins dos Santos para um jogo

"Levamos um trabalhão do diabo para chegar onde o Bartolomeu queria. [...] Fizemos as alterações. Assisti à conversa do major com o Luís. Se o Bartolomeu soubesse o trabalho que tivemos para pôr o Martins dos Santos..." Júlio Mouco, da Comissão Disciplinar da Liga, diz a Valentim que Martins dos Santos vai arbitrar jogo do Leiria

"Tive reunião com a Somague [...] acelerei tudo por sua causa, para fazerem o Holmes Place. Agora preciso de um favor, que a sociedade que comprou as lojas Montargila, me adianta-se dinheiro, eu preciso de 150 mil contos. [...] Não custa nada, você anda a nadar em dinheiro, vá-se foder." João Loureiro precisa de dinheiro e pede-o a Bartolomeu

PAULO PARATY MUITO ALÉM DO RELVADO

Pauto Paraty, árbitro internacional da Associação de Futebol do Porto, é uma das mais polémicas figuras do futebol português. O seu telefone foi colocado sob escuta pela Polícia Judiciária e muitas das suas conversas foram transcritas.

Paraty falava com Valentim, Pinto da Costa e Pinto de Sousa e os negócios mantidos com os homens-fortes do futebol ultrapassavam em muito os limites do relvado. Tratavam de negócios, designadamente a venda de material da empresa do sogro de Paraty, onde aquele é engenheiro.

Arguido no processo das classificações desportivas, o árbitro chegou a estar indiciado por corrupção passiva no jogo Gil Vicente-Sporting, a contar para a época 2003/2004. A conversa foi interceptada dias antes da partida e revela contactos entre o empresário António Araújo, que mantinha negócios com o FC Porto, e um dos auxiliares que fazia equipa com o árbitro do Porto Devesa Neto. “Eu depois de amanhã ligo-lhe, que eu precisava de falar com o Paulo [....] dar-lhe uma palavrinha”, disse Araújo a Devesa Neto.

Neste mesmo dia Paraty e Devesa Neto conversam e as escutas indiciam que o segundo árbitro auxiliar iria beneficiar o Gil Vicente. “O Serafim vai vacinado, vai benzido [...] vai benzido pelo lado norte. Bruxo. Vai benzido por dois lados até [...] pelo Minho e pelo norte.” À saída da PJ, quando foi interrogado como arguido, Paraty mostrou-se tenso. “Estive aqui na qualidade de árbitro”, disse.

OS ÁRBITROS QUE TODOS QUERIAM

Paulo Paraty, Paulo Baptista e Martins dos Santos eram os árbitros mais ‘solicitados’ pelos dirigentes desportivos. Do outro lado da balança está Duarte Gomes, que parecia ter o condão de fazer irritar todos os presidentes de clubes. João Ferreira e Proença só agradavam ao Sul e Bruno e Jacinto Paixão eram ‘escolhidos’ pelos clubes do Porto.

Paraty e o seu assistente Devessa Neto parecem fazer o pleno. Tanto agradavam ao FC Porto como ao Benfica e a frequência com que os seus nomes eram falados era grande. Por exemplo, João Rodrigues, que mediava os contactos entre a Federação e o Benfica, chega mesmo a dizer a Pinto de Sousa que para acalmar Luís Filipe Vieira “bastava nomear o Devessa Neto”. Disse-lhe ainda noutra conversa que Vieira queria o Paraty a arbitrar a meia-final da Taça com o Belenenses. “Ele não quer outro”, afirmou. Pinto da Costa também falava com frequência do mesmo árbitro internacional. Mostrava-se satisfeito quando ele era nomeado e nessa época são muitas as críticas feitas quando o mesmo apitou os encontros do Sporting.

Outra conversa que indicia o tratamento privilegiado de Paraty refere-se à sua classificação. No ano em que terminou em 3.º lugar no ranking dos árbitros (2003/2004), Pinto de Sousa garantiu a Valentim que Paraty corria o risco de descer de categoria. “Está nos 5 ou 6 dos últimos”, assegurou, enquanto o então presidente da Liga lhe lembrava: “Já no ano passado esteve mal, pensei que estava a correr melhor.”

NOTAS

CASA ESTAVA LIMPA

No dia em que a PJ fez a busca a casa de Pinto da Costa, aquela estava limpa e não havia qualquer documento relevante. A porta foi aberta pelo motorista, que já estava arranjado e barbeado.

SEGREDO FOI REVELADO

O MP, no despacho que arquivou o processo por fuga de informação contra incertos, defende que Pinto da Costa terá sido avisado por alguém da Polícia Judiciária do Porto.

SITUAÇÃO ANÓMALA

A procuradora que assinou o despacho de arquivamento à fuga de informação diz que é no mínimo anómalo que a então direcção da PJ do Porto não tenha tentado investigar o ocorrido.

SUBDIRECTOR AUSENTE

Reis Martins, subdirector da PJ do Porto e responsável pelo ‘Apito Dourado’ quando Pinto da Costa foi preso, disse que não sabia que aquele não estava em casa. De férias, soube quatro dias depois pela rádio.

NÃO QUERIAM PRENDER

Atayde das Neves, director da PJ do Porto em 2004, não queria prender Pinto da Costa. A revelação é feita no despacho de arquivamento à fuga de informação. Inspectores opuseram-se.


Tânia Laranjo

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