segunda-feira, novembro 28, 2005

Justiça: Magistrados gastam 12 horas com acções executivas


Justiça: Magistrados gastam 12 horas com acções executivas Juízes pouco eficientes
José Carlos Campos
Esperava-se que este congresso servisse para encontrar consensos, mas acabou por acentuar as hostilidades na área da Justiça O ministro Alberto Costa falou num estudo do Observatório da Justiça sobre a produtividade dos juízes.
Tal relatório, porém, também não é abonatório para o Governo.

A ineficiência é a característica mais comum a quase todos os juízos cíveis, sobretudo nos de Lisboa e do Porto, em que o grande volume de processos pendentes e entrados é largamente superior aos processos findos.
A conclusão é do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa, que realizou um estudo sobre a produtividade dos juízes, os actos que praticam e o tempo que gastam nos processos.
O levantamento, pedido pelo Ministério da Justiça, debruça-se sobre a Justiça cível. Não é abonatório para os juízes – cuja maioria diz trabalhar 50 horas por semana – nem para o Governo – tendo em conta que a maior parte do tempo despendido pelos magistrados é gasto em processos que não deveriam estar nos tribunais.Assim diz o relatório, referindo que são as acções executivas – na sua maior parte processos de cobrança de dívidas – a dominar a Justiça cível.Os responsáveis do Observatório concluem que há juízos cinco vezes mais eficientes do que outros.
Excepções são poucas – só seis apresentam bom índice de eficiência. Os dados reportam-se a 2002.
O documento reflecte a preocupação com o número de processos – 24,4 por cento dos juízos registou entradas anuais superiores a dois mil processos.
Mas demonstra ainda maior preocupação com os índices de processos concluídos: 69,7 por cento dos juízes findaram entre 500 e mil. Só dois juízos cíveis finalizaram mais de dois mil processos.
O estudo refere que os juízes trabalham, em média, 50 horas semanais.
Mas não deixa de referir que há diferenças significativas no horário de trabalho semanal indicado, com valores situados entre o mínimo (cerca de 20 horas semanais) e o máximo (75 horas).
Nove dos juízes entrevistados no estudo assumem trabalhar mais de 50 horas semanais.
Tempo que é gasto, sobretudo, em despachos no âmbito da acção executiva.
Nestas diligências, os juízes consomem 12 horas da sua semana de trabalho.
Idêntico tempo é gasto nas audiências de produção de prova.
Dedicam nove horas semanais a despachos de fundo, sobretudo com sentenças, e outras nove horas em despachos de mero expediente.
Em despachos saneadores gastam sete horas, destinando três horas para os processos de recuperação de empresas e falências.
GOVERNO ANALISA DOCUMENTO - O estudo está agora nas mãos do ministro, que ontem mesmo disse ser um instrumento de trabalho a ter em conta. Parte do documento já foi dado a conhecer ao Conselho Superior da Magistratura, tendo colhido reacções negativas dos juízes.
CONCLUSÕES DO CONGRESSO NOVAS TECNOLOGIAS - Os juízes querem a documentação das audiências (áudio e vídeo digital) e transcrições em tempo real (estenografia digital).
FORMAÇÃO - A lei orgânica do Centro de Estudos Judiciários (CEJ) deverá ser alvo de uma revisão profunda e criado o estatuto do juiz formador.
AUTONOMIA - Tribunais devem ter autonomia administrativa e financeira. O Conselho Superior da Magistratura deve ser dotado de meios.
ASSOCIATIVISMO - Associativismo dos juízes tem um papel acrescido na afirmação dos direitos do cidadão e na renovação do sistema de Justiça.
RESPONSABILIDADE - Alteração do regime de responsabilização civil dos juízes não pode traduzir-se numa condicionante à liberdade de julgar.
INDEPENDÊNCIA - Importa criar uma lei-quadro da Magistratura, com força paraconstitucional, que defina os grandes princípios da jurisdição.
TROCA DE ACUSAÇÕES "Trabalhamos sob aplausos e sob críticas." Alberto Costa"A arte do aplauso não é uma arte de sadismo e masoquismo." Idem"Há uma consonância absoluta entre mim e o primeiro-ministro." Ibidem"O associativismo na magistratura (...) nasceu motivado pelo escopo da independência do poder judicial (...) e hoje é reconhecido e assumido como tal.
Por cá (...) há quem agora queira andar para trás." Baptista Coelho"A todos os cépticos e a todas as más consciências, a resposta que damos é só uma: a dignidade profissional da magistratura não tem preço; a independência do poder judicial é inegociável." Idem"Espírito de diálogo, de boa-fé e de abertura não pode ser exclusivo dos juízes." Ibidem"Não são os juízes que têm de abdicar da sua independência. É o poder político (...) que tem de se subordinar ao Direito." Orlando Afonso"Não raras vezes, a cegueira é tanta que as próprias especificidades do estatuto dos juízes (...) são vistas não como garantias da imparcialidade e independência de homens que têm por difícil missão julgar homens iguais a si, mas como pretensos privilégios de uma casta que se quer intocada e intocável." Santos Serra
MINISTRO DA JUSTIÇA RECEBIDO COM FRIEZ - A Meia dúzia de aplausos, frios e de circunstância, foi tudo o que o ministro da Justiça obteve ontem à tarde dos juízes portugueses, reunidos em congresso no Carvoeiro, Algarve. Alberto Costa levou ao encerramento do encontro um discurso apaziguador e evocou as palavras ali proferidas pelo Presidente da República, frisando que “o estado da Justiça não deixa espaço para nos perdermos em desentendimentos inúteis, muito menos para ceder à tentação de resvalar para a transformação da divergência de entendimento em suposto projecto de domínio ou de controlo”.
Apesar de ter assegurado o seu “respeito” pela magistratura judicial, o governante ouviu palavras duras dos presidentes dos Supremos Tribunal Administrativo e Constitucional, Artur Maurício e Santos Serra. Este último fez questão de salientar, na sua intervenção, que “a arma do privilégio corporativo é uma arma de fácil arremesso” mas que tem o perigo de poder “ricochetear, em ângulo oblíquo, para os titulares dos demais órgãos de soberania” e de “reunir, num mesmo saco, eventuais regalias anacrónicas, que importaria repensar, e garantias absolutamente necessárias ao exercício dignificado das funções jurisdicionais”.
Em declarações ao CM, Santos Serra considerou, no entanto, ter o discurso de Alberto Costa sido “apaziguador”. “Nem outra coisa seria de esperar. Se dali partiu o começo das hostilidades, era também dali que deveria vir o seu término.”Também o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Nunes da Cruz, uma das vozes mais críticas que se ouviu no VII Congresso dos Juízes, admitiu ontem ao CM que as palavras de Alberto Costa constituíram “o sinal positivo” e de “boa vontade” que os magistrados esperavam.
AGENTES JUDICIAIS VÃO APRENDER INFORMÁTICA - O ministro da Justiça, Alberto Costa, quer que juízes, auditores de Justiça e advogados se familiarizem, em 2006, com as “novas ferramentas processuais e tecnológicas que terão ao seu dispor”, com vista à desmaterialização de processos (com recurso a sistemas informáticos) e no âmbito do regime experimental de processo civil.
“É nossa intenção apoiar formação específica para presidentes de tribunais, em matérias como a gestão processual e o uso de mecanismos de flexilibilização processual”, afirmou, assegurando pretender, já “a partir do próximo ano”, que “sejam incorporadas como formação dos futuros juízes as competências necessárias no uso das aplicações informáticas específicas do sistema de Justiça”.
Henrique Pavão, secretário regional do Sul da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, disse ao CM serem medidas “positivas”, até porque o que hoje existe naquele âmbito, no CEJ, é “incipiente”.
“O ministro veio ao nosso congresso abrir os braços – mostrou abertura no discurso, importa agora que se sigam atitudes e medidas positivas para a Justiça.”
José Rodrigues/Manuela Guerreiro

Sem comentários:

Enviar um comentário